“A culpa não
está nas estrelas, mas em nós mesmos.”
Shakespeare
A frase logo
no início do filme serve para deixar claro que o comportamento humano não vem
do acaso. Logo depois vem uma explicação que o filme é sobre a psicanálise,
ciência que “exorciza” os demônios interiores.
Hitchcock
sempre se interessou por Psicologia. Prova disso encontramos mais tarde em
Psicose (1960), no filme que inovou a retratação de assassinos, dando uma
justificativa psicológica aos crimes que ele cometia.
Esse filme
buscou mostrar com seriedade a psicanálise e de certa forma mostrar como ela
funciona. E em busca de mostrar os sonhos como são realmente, chamou o grande
artista Salvador Dalí para fazer as sequências de sonho. Geralmente os sonhos
nos filmes eram feitos de forma confusa, desfocada, tremida, mas nesse o diretor
queria mostrar o sonho em plena luz do dia.
O filme
conta a história de Constance Peterson (Ingrid Bergman), uma psiquiatra
inteligente e que condena os poetas a fazerem as pessoas acreditar que o amor é
algo maravilhoso quando é nada mais que uma resposta a cor do cabelo etc...As
coisas mudam quando chega um psiquiatra para ficar no lugar do antigo chefe,
ele se chama Dr. Edwards (Gregory Peck). Só que além de se apaixonar por ele,
Constance percebe que tem algo errado, algo que ela pretende descobrir.
A história do
filme foi baseada no livro chamado “The House of dr. Edwards” de John Leslie
Palmer e Hilary Ainda St. George Saunders (usando o pseudônimo de Francis
Beeding). Segundo o livro de Donald Spoto: “Tratava-se de uma história bizarra
e complicada de bruxaria, cultos satânicos e assassinato, passada em um
hospício europeu”. Claro que a história só serviu de base.
Foi o
primeiro filme de Ingrid Bergman com o Hitchcock, eles fariam mais dois juntos:
Interlúdio (1946) e Sob o Signo de Capricórnio (1949). O produtor Selznick
juntou suas duas preciosidades, seu diretor mais importante e sua atriz mais
valiosa. E ela faz muito bem o papel da mulher que descobre o amor e luta para
ajudar seu amado. O engraçado é que ela não queria fazer o filme no começo, ela
não acreditava que uma médica inteligente simplesmente se apaixonaria do nada.
Mas Hitch acabou convencendo ela, dizendo que se era para ser realista que
fizessem documentários.
Gregory Peck
estava no começo de sua carreira, mas nesse filme ele parece bem perdido, sem
saber o que fazer com seus braços. Talvez seja porque Hitchcock não era bem um
diretor de atores, ele costumava dizer quando alguém perguntava qual era a sua
motivação para a cena: “A motivação é o seu salário!”. Claro que devemos
considerar que para o papel era necessário que ele estivesse meio perdido e
confuso, talvez tenha sido essa a intenção do diretor, fazer ele se sentir
perdido para que seu personagem fosse assim também.
Na verdade o
dr. Edwards foi assassinado e o personagem de Gregory Peck era um desconhecido,
tanto para ele mesmo quanto para os outros, e sobre si mesmo ele só sabia que
as iniciais do seu nome era “J.B.”.
As
explicações psicológicas no filme são repetitivas e um pouco maçante. Constance
está sempre dizendo: “Isso é complexo de culpa, você se sente culpado por algo
que aconteceu, e isso vem da sua infância...”. Claro que toda aquela história
era coisa muito nova para as pessoas, por isso é justificável que tenha sido
assim. Mas olhando hoje dia parece muito artificial.
Ela se senta
perto do desconhecido J.B. e faz perguntas, ele não consegue se lembrar e ela
fica dizendo repetidamente: “Tente se lembrar, você precisa se lembrar”. Acho
difícil acreditar que uma médica agiria assim, afinal qualquer um pode gritar: “Se
lembre!”. Mas fica claro o motivo dos constantes desmaios de Gregory Peck, ele
tinha uma lembrança “escondida” que era dolorosa demais para lembrar, por isso
seu cérebro a bloqueava e quando ele tentava lembrar a solução era fazer com
que ele ficasse inconsciente.
O filme é
repleto de simbolismos. O primeiro beijo entre o casal é intercalado através de
uma fusão com portas que se abrem, mostrando que algo foi despertado em
Constance, algo que ela nunca sentiu antes. E claro o sonho (que na verdade
deveriam ser sonhos, mas algumas situações fizeram com que se tonasse só um),
que revela os acontecimentos reais só que de maneira enigmática. A maneira como
as lembranças “vazam” também é interessante. O diretor foi bem criativo ao usar
a cor branca como a cor do trauma em um filme preto e branco. Quando o
personagem perturbado vê marcas de garfo em uma toalha branca, vê linhas
brancas no roupão de Constance e no pano de cama, vê as linhas dos trilhos do
trem ou o branco de uma mistura para fazer a barba, suas lembranças querem vir
a tona, mas é claro que seu complexo de culpa não deixa.
Também
merece destaque a carta que J.B escreve dizendo para Constance onde ele vai
estar e antes que ela pudesse pegar, pessoas (incluindo a policia) entram, a
impedindo de pegar a carta. E é assim que o mestre do suspense nos faz entrar
na história, criando um suspense por causa de uma simples carta.
Acredito que
tirando a cena do sonho, uma das cenas mais interessante é a que na casa do
professor antigo de Constance, J. B. fica em transe por causa do branco que o
rodeava de maneira ameaçadora. Ele desce as escadas (com direito a uma navalha
na mão) com um olhar de maluco. Mas quero chamar atenção para o copo de leite,
copo que já tinha sido usado de forma criativa em Suspeita (1941). Nesse filme
vemos o copo com sonífero do ponto de vista de quem toma, um enquadramento
diferente, mas que já tinha sido utilizado em Champanhe (1928). Essa visão
subjetiva também é vista no final quando o real culpado comete suicídio e a
tela se enche da cor vermelha.
O filme
ganhou o Oscar de melhor trilha sonora, mas me chamou atenção que a música
usada em um momento de ação duvidoso em que a índole de um personagem é questionável
é a mesma música de Suspeita, também usada em uma cena com essas
características.
Apesar de
tudo, vale muito a pena ver esse filme. Principalmente para o fãs de Hitchcock
e de Psicologia.
Fique com a sequência do sonho:
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