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Quando Fala o Coração (1945)


“A culpa não está nas estrelas, mas em nós mesmos.”
Shakespeare

A frase logo no início do filme serve para deixar claro que o comportamento humano não vem do acaso. Logo depois vem uma explicação que o filme é sobre a psicanálise, ciência que “exorciza” os demônios interiores.
Hitchcock sempre se interessou por Psicologia. Prova disso encontramos mais tarde em Psicose (1960), no filme que inovou a retratação de assassinos, dando uma justificativa psicológica aos crimes que ele cometia.
Esse filme buscou mostrar com seriedade a psicanálise e de certa forma mostrar como ela funciona. E em busca de mostrar os sonhos como são realmente, chamou o grande artista Salvador Dalí para fazer as sequências de sonho. Geralmente os sonhos nos filmes eram feitos de forma confusa, desfocada, tremida, mas nesse o diretor queria mostrar o sonho em plena luz do dia.

O filme conta a história de Constance Peterson (Ingrid Bergman), uma psiquiatra inteligente e que condena os poetas a fazerem as pessoas acreditar que o amor é algo maravilhoso quando é nada mais que uma resposta a cor do cabelo etc...As coisas mudam quando chega um psiquiatra para ficar no lugar do antigo chefe, ele se chama Dr. Edwards (Gregory Peck). Só que além de se apaixonar por ele, Constance percebe que tem algo errado, algo que ela pretende descobrir.
A história do filme foi baseada no livro chamado “The House of dr. Edwards” de John Leslie Palmer e Hilary Ainda St. George Saunders (usando o pseudônimo de Francis Beeding). Segundo o livro de Donald Spoto: “Tratava-se de uma história bizarra e complicada de bruxaria, cultos satânicos e assassinato, passada em um hospício europeu”. Claro que a história só serviu de base.

Foi o primeiro filme de Ingrid Bergman com o Hitchcock, eles fariam mais dois juntos: Interlúdio (1946) e Sob o Signo de Capricórnio (1949). O produtor Selznick juntou suas duas preciosidades, seu diretor mais importante e sua atriz mais valiosa. E ela faz muito bem o papel da mulher que descobre o amor e luta para ajudar seu amado. O engraçado é que ela não queria fazer o filme no começo, ela não acreditava que uma médica inteligente simplesmente se apaixonaria do nada. Mas Hitch acabou convencendo ela, dizendo que se era para ser realista que fizessem documentários.
Gregory Peck estava no começo de sua carreira, mas nesse filme ele parece bem perdido, sem saber o que fazer com seus braços. Talvez seja porque Hitchcock não era bem um diretor de atores, ele costumava dizer quando alguém perguntava qual era a sua motivação para a cena: “A motivação é o seu salário!”. Claro que devemos considerar que para o papel era necessário que ele estivesse meio perdido e confuso, talvez tenha sido essa a intenção do diretor, fazer ele se sentir perdido para que seu personagem fosse assim também.
Na verdade o dr. Edwards foi assassinado e o personagem de Gregory Peck era um desconhecido, tanto para ele mesmo quanto para os outros, e sobre si mesmo ele só sabia que as iniciais do seu nome era “J.B.”.

As explicações psicológicas no filme são repetitivas e um pouco maçante. Constance está sempre dizendo: “Isso é complexo de culpa, você se sente culpado por algo que aconteceu, e isso vem da sua infância...”. Claro que toda aquela história era coisa muito nova para as pessoas, por isso é justificável que tenha sido assim. Mas olhando hoje dia parece muito artificial.
Ela se senta perto do desconhecido J.B. e faz perguntas, ele não consegue se lembrar e ela fica dizendo repetidamente: “Tente se lembrar, você precisa se lembrar”. Acho difícil acreditar que uma médica agiria assim, afinal qualquer um pode gritar: “Se lembre!”. Mas fica claro o motivo dos constantes desmaios de Gregory Peck, ele tinha uma lembrança “escondida” que era dolorosa demais para lembrar, por isso seu cérebro a bloqueava e quando ele tentava lembrar a solução era fazer com que ele ficasse inconsciente.

O filme é repleto de simbolismos. O primeiro beijo entre o casal é intercalado através de uma fusão com portas que se abrem, mostrando que algo foi despertado em Constance, algo que ela nunca sentiu antes. E claro o sonho (que na verdade deveriam ser sonhos, mas algumas situações fizeram com que se tonasse só um), que revela os acontecimentos reais só que de maneira enigmática. A maneira como as lembranças “vazam” também é interessante. O diretor foi bem criativo ao usar a cor branca como a cor do trauma em um filme preto e branco. Quando o personagem perturbado vê marcas de garfo em uma toalha branca, vê linhas brancas no roupão de Constance e no pano de cama, vê as linhas dos trilhos do trem ou o branco de uma mistura para fazer a barba, suas lembranças querem vir a tona, mas é claro que seu complexo de culpa não deixa.
Também merece destaque a carta que J.B escreve dizendo para Constance onde ele vai estar e antes que ela pudesse pegar, pessoas (incluindo a policia) entram, a impedindo de pegar a carta. E é assim que o mestre do suspense nos faz entrar na história, criando um suspense por causa de uma simples carta.
Acredito que tirando a cena do sonho, uma das cenas mais interessante é a que na casa do professor antigo de Constance, J. B. fica em transe por causa do branco que o rodeava de maneira ameaçadora. Ele desce as escadas (com direito a uma navalha na mão) com um olhar de maluco. Mas quero chamar atenção para o copo de leite, copo que já tinha sido usado de forma criativa em Suspeita (1941). Nesse filme vemos o copo com sonífero do ponto de vista de quem toma, um enquadramento diferente, mas que já tinha sido utilizado em Champanhe (1928). Essa visão subjetiva também é vista no final quando o real culpado comete suicídio e a tela se enche da cor vermelha.


O filme ganhou o Oscar de melhor trilha sonora, mas me chamou atenção que a música usada em um momento de ação duvidoso em que a índole de um personagem é questionável é a mesma música de Suspeita, também usada em uma cena com essas características.
Apesar de tudo, vale muito a pena ver esse filme. Principalmente para o fãs de Hitchcock e de Psicologia.
Fique com a sequência do sonho:


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