Os filmes mudos
são uma das coisas mais lindas do cinema. Nada contra o cinema falado, mas o
cinema é arte, está aí para mais mostrar do que falar. Hitchcock sempre dizia
que uma imagem fica mais gravada na mente de quem assiste do que algo dito,
prova disso foi o diretor ter usado muito mais “mostrar” em seus filmes, mas
não estamos aqui pra falar de Hitchcock, ou estamos?
Bem, não
exatamente. Vamos lá! O Artista é simplesmente um clássico com cara de clássico
que homenageia os clássicos. Nele é usada a forma mais simples de cinema,
montagens, íris abrindo e fechando a imagem e enquadramentos simples, mas é
exatamente isso que o torna excepcional, as vezes é bom relembrar suas origens,
afinal o cinema tem ficado cada vez mais apelativo.
Outro filme
que também fala sobre esse período é o musical clássico “Cantando na Chuva” (1952),
onde um ator (Gene Kelly) sofre por não conseguir se adaptar enquanto uma jovem (Debbie Reynolds) diz que
cinema mudo é um monte de caretas, mesma coisa que Peppy diz.
O Artista é
cheio de homenagens. Primeiro à Hitchcock (por isso desandei a falar dele no
começo), que foi um dos primeiros a mexer com o tema de agentes secretos e filmes policiais
(vide “Blackmail”; “O homem que sabia demais”, as duas versões; “39 degraus” e
“Intriga Internacional”), além do fato que quase me fez cair da cadeira: uma
cena muito importante ao som da música de Bernard Herrmann (compositor favorito
de Hitch), a música é nada mais nada menos que da trilha sonora de “Um corpo
que cai” (1958), uma das obras primas de Hitchcock.
Também tem outra referencia a outro grande diretor: Orson Welles. A cena do
café da manhã em que mostra o distanciamento do marido e da mulher em Cidadão
Kane é muita parecida com a cena de distanciamento de George e sua esposa em O Artista.
A arte de
contar a história visualmente foi usada brilhantemente aqui. Parece que cada
objeto, cartaz, tudo foi usado pensando na cena. A dança no começo do filme,
quando sem saber quem está atrás do cenário falso George dança com Peppy já é uma
dica de como vai ser a solução do problema. Quando
George caminha pela rua, triste e cabisbaixo, o nome de um filme em cartaz
atrás dele é “The Lonely Star” (a estrela solitária) e Peppy, que cuida dele as escondidas, logo estreia um filme
chamado “Guardian Angel” (anjo da guarda). Logo ao ser dispensado por ser um
“ator mudo” George reencontra nas escadas Peppy, agora já estrela, mas ela está
subindo as escadas enquanto ele está descendo, simbolizando como estava a vida dos dois. A cena em que estreia o filme
dele e é um fracasso vemos exatamente a parte sendo projetado em que
George se afunda na areia movediça, da mesma forma que ele estava se afundando.
Tudo está
relacionado a fala, e a palavra silêncio vira algo aterrorizante. Logo no começo do filme quando nos deparamos com a sala de cinema e as primeiras cenas, aparece escrito: “Não vou falar! Nem uma palavra!”. Depois George tem um
pesadelo onde tudo tem som, até o cachorro late, mas ele não consegue
falar. A esposa de George briga com ele e pergunta: “Por
que você se recusa a falar comigo?”. Sem falar no momento final onde ele surta
e várias bocas falando e rindo aparecem de uma forma aterrorizadora.
Apesar do
orgulho, com a ajuda de quem realmente gosta dele: Peppy, Clifton (o motorista)
e o cachorro, George consegue dar a volta por cima e se liberta, no final do
filme ouvimos ele falar (duas palavras) e
quando vão repetir o número ouvimos “silêncio no set”, mas para George
não haverá mais silêncio.
Para terminar, você pode assistir o filme no Youtube, legendado em português de Portugal: https://www.youtube.com/watch?v=r-Lnzjrkm_o
E para deixar um clima, a linda música reciclada de "Um Corpo que cai".
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